
Com o intuito de reforçar anualmente a importância da preservação da biodiversidade em todos os ecossistemas, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou 22 de maio como sendo a data oficial para celebrar o Dia Internacional da Biodiversidade.
Tudo bem você pensar, em um primeiro momento, que o dia de hoje tem relevância tão somente para pessoas que trabalham com meio ambiente ou que são engajadas na causa. Mas uma pequena frase vai certamente te fazer mudar de ideia e passar a dar a devida relevância à data: garantir a biodiversidade é a chave para prever e até mesmo evitar pandemias.
Sim, você leu direitinho. A destruição crescente da natureza e, por conseguinte, dos seres vivos de todas as classificações que nela habitam, é considerada por bases científicas como a principal causa para o caos histórico que hoje vivemos – e por muitos outros que já passamos. E é fácil entender as razões dessa afirmação.
Transmitido inicialmente ao homem por morcegos, conforme apontam diversos estudos, o novo coronavírus (Covid-19) é uma zoonose. E zoonoses, também chamadas de doenças zoonóticas, nada mais são do que doenças transmitidas de animais para humanos. A esta lista podemos elencar outras gravíssimas moléstias como dengue, chikungunya, febre amarela e zika, que continuam avançando em ritmo acelerado, mas que foram “deixadas de lado” pelo menos por ora.
Em comum, além de serem zoonoses, essas enfermidades são bastante disseminadas em função da relação indevida entre homem e natureza, quando como ocorre a manipulação e contato com animais doentes ou o consumo de leite não pasteurizado, água contaminada ou de carnes malpassadas ou inadequadas.
Outras formas de contágio de grande incidência são as picadas de insetos e mordidas de animais. E é nestes dois formatos de transmissão que o vínculo equivocado do ser humano com o meio ambiente se torna mais evidente, já que a devastação de florestas obriga agentes patogênicos como bactérias, parasitas, fungos e vírus a procurarem novos hospedeiros que não animais, de modo a conduzi-los, direta ou indiretamente, às aglomerações humanas.
Futuro pode estar em xeque
De acordo com o estudo mais vasto já feito até o momento sobre “saúde planetária”, termo lançado em 2013 pela respeitabilíssima revista científica inglesa sobre medicina The Lancet – e que em suma delineia a saúde da civilização humana e o estado dos sistemas naturais dos quais ela depende –, se a degradação desenfreada do meio ambiente não cessar, o triste cenário em que hoje nos encontramos irá se repetir.
O alerta feito pelos principais especialistas em biodiversidade do mundo e que foi publicado no ano passado pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) classifica o desmatamento desenfreado, a expansão descontrolada da agricultura e mineração, a urbanização desgovernada e a exploração indevida de espécies selvagens como uma mistura perfeita para a propagação de doenças.
Segundo a publicação, moléstias tão ou mais mortais que a Covid-19 podem assolar a humanidade no futuro. E de forma ainda mais frequente, rápida e destrutiva. Sem falar que além de novas pandemias que podem aparecer, velhas epidemias podem ressurgir.
Daí a necessidade urgente das escolhas feitas hoje serem mais cuidadosas no sentido de preservar o meio ambiente e toda a biodiversidade existente, já que surtos pandêmicos são uma consequência direta da atividade humana.
Fato é que cerca de 60% das doenças infecciosas humanas são de origem animal, partilhadas tanto com animais selvagens quanto domésticos, conforme aponta o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). E entre as espécies selvagens que mais compartilham moléstias com os seres humanos estão justamente aquelas cuja população apresenta queda em decorrência da exploração e perda de habitat rico em biodiversidade.
Isso se explica porque a invasão e devassidão de florestas aumentam a frequência e a intensidade dos contatos entre humanos e animais selvagens, criando condições ideais para exposição e consequente transferência de agentes contagiosos por ambas as partes.
Dados do IPBES estimam que as zoonoses respondem por cerca de 700 mil mortes a cada ano. Por essa razão, e sabendo que em época de epidemia e pandemia esse número pode chegar à casa do milhão, a manutenção da biodiversidade é tão importante.
Governanças sustentáveis efetivas
Com muito pesar e certo choque, nos encontramos no olho do furacão em virtude de uma zoonose emergente de altíssimo potencial ofensivo, o coronavírus. Diferentemente de zoonoses reemergentes, que são doenças que reaparecem após período de declínio significativo ou com risco de aumento no futuro próximo, como a febre amarela, as que se enquadram no grupo emergente são doenças novas (exóticas), conforme definição encontrada no Manual de Vigilância, Prevenção e Controle de Zoonoses do Ministério da Saúde.
Líderes e população do mundo todo estão assustados e tentando lidar com uma doença até então desconhecida, que em 6 meses já responde por exatas 332.425 mil mortes (dado oficial coletado às 1:45 am de 22/05/2020).
As perdas são incalculáveis e indescritíveis. Mas o recado dado pela natureza, mais uma vez, é bastante claro: precisamos preservar o meio ambiente, para que o meio ambiente tenha reais condições de nos proteger.
Não sabemos quanto tempo será necessário para o controle da atual pandemia. Por outro lado, governantes do mundo inteiro já se deram conta que o trabalho de recolher os cacos deve incluir não só iniciativas de recuperação econômica e social, mas, também, de fortalecimento à proteção ambiental.
Há muito caminhamos pautados em um crescimento insustentável, focado no egocentrismo e em políticas de infraestrutura altamente nocivas. O aquecimento global está a passos largos caminhando, a biodiversidade sendo constantemente ameaçada e aniquilada e continuamos apenas no campo das intenções e de planos futuros de (re)ação.
Já passou da hora da comunidade global como um todo enxergar a urgência de pôr em prática uma resposta de governança sustentável efetiva à altura dos danos. Estamos diante de uma dolorosa chance real de mudança que, se não aproveitada, pode significar surtos pandêmicos cada vez mais graves, com a provável descontinuidade da vida humana na Terra.